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No último dia 26 de maio foi finalmente sancionado o texto legal que aperfeiçoa o instituto da arbitragem — Lei 13.129/2015 —, tão aguardado pela nossa comunidade jurídica.
Apenas para recordar, esse novel diploma originou-se do anteprojeto elaborado pela Comissão de Juristas, criada pelo Senado Federal, cujo trabalho teve início em abril de 2013, sob a presidência serena e segura do eminente ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luis Felipe Salomão, que se empenhou pessoalmente na defesa das propostas, então apresentadas à Câmara Alta (PLS 406/2013).
Importa ainda ressaltar que, a despeito de ter sido preservada, de um modo geral, a estrutura da vitoriosa Lei 9.307/96, marco legislativo da arbitragem brasileira, dentre as novidades então aprovadas pelo Congresso Nacional, merecia destaque a ampliação objetiva da arbitragem, autorizando a utilização desta para dirimir conflitos nas relações de consumo e, ainda, no âmbito de determinadas relações jurídicas individuais de natureza trabalhista.
Reiterando, nesse particular, o quanto já tive oportunidade de revelar em precedente artigo, tal aperfeiçoamento da arbitragem, implicativo de maior prestígio deste mecanismo adequado de solução das controvérsias, obteve consenso praticamente unânime entre os componentes da referida Comissão de Juristas, que contou, inclusive, neste particular, com o apoio de muitos outros estudiosos e segmentos das mais variadas entidades da sociedade. Com efeito, diante do espírito republicano que norteou a direção dos trabalhos de elaboração do respectivo anteprojeto, muitas opiniões foram colhidas e sopesadas, não se registrando qualquer objeção mais séria contra a mencionada ampliação do raio objetivo de incidência da arbitragem.
E, assim, no tocante ao que ora interessa, a redação originalmente proposta, que restou aprovada no Congresso, era a seguinte: “Art. 4º… § 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se for redigida em negrito ou em documento apartado. § 3º Na relação de consumo estabelecida por meio de contrato de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar expressamente com a sua instituição. § 4º Desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou de diretor estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória, que só terá eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar expressamente com a sua instituição”.
Cumpre observar que durante a tramitação do respectivo processo legislativo, no Senado e na Câmara, não houve também proposta alguma de emenda visando a suprimir o indigitado alargamento da arbitragem. A novidade passou incólume pelo nosso Parlamento.
Daí, a expectativa praticamente certa de que a sanção presidencial não ofereceria qualquer censura aos supra transcritos dispositivos.
Não obstante, para perplexidade de todos, foram eles vetados!
Infere-se da Mensagem 162, de 26 de maio, da Presidência da República ao Presidente do Senado Federal, as razões dos vetos, apresentadas, respectivamente, pelo Ministério da Justiça e pelo Ministério do Trabalho e do Emprego, as quais, com o devido respeito, despontam absolutamente inconsistentes.
No que se refere aos parágrafos 2º e 3º do artigo 4º, acima transcritos, a justificativa oferecida é a seguinte: “Da forma prevista, os dispositivos alterariam as regras para arbitragem em contrato de adesão. Com isso, autorizariam, de forma ampla, a arbitragem nas relações de consumo, sem deixar claro que a manifestação de vontade do consumidor deva se dar no momento posterior ao surgimento de eventual controvérsia e não apenas no momento inicial da assinatura do contrato. Em decorrência das garantias próprias do direito do consumidor, tal ampliação do espaço da arbitragem, sem os devidos recortes, poderia significar um retrocesso e ofensa ao princípio norteador de proteção do consumidor”. Nada mais!
Definitivamente, a redação desse argumento, à guisa de “razões dos vetos”, evidencia (ainda, com respeito) de duas uma: ou seu autor não leu com a devida atenção o texto legal proposto, ou então não o entendeu!
E isso, porque, como resulta evidente, a exemplo do que já vinha disciplinado na Lei de Arbitragem, a alteração agora proposta e que restou vetada também não disciplina os contratos de consumo que não sejam por adesão. Em outras palavras, continua regrando apenas as relações de consumo celebradas por meio de contratos de adesão, todavia agregando expressamente uma valiosa proteção ao consumidor.
Como acima visto, de conformidade com a redação do aludido parágrafo 3º, “a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar expressamente com a sua instituição”. Assim sendo, retrocesso, na verdade, é impedir que o consumidor passe a dispor da arbitragem, inexistindo a possibilidade de qualquer abuso, visto que deteria ele o monopólio exclusivo da opção por um outro caminho, podendo inclusive aceitar ou simplesmente desprezar o juízo arbitral instaurado pelo outro contratante.
Igualmente, não se sustenta o veto ao parágrafo 2º do artigo 4º, partindo-se do pressuposto — aliás, óbvio — de que nem todo contrato de adesão encerra relação de consumo! O equívoco contido na justificativa dispensa, a proposito, maiores considerações.
Já no que concerne ao parágrafo 4º, a conclusão é a mesma, vale dizer, cotejando-se a redação vetada com a razão do veto, não faz qualquer sentido, até porque confunde igualdade formal com igualdade substancial, cuja distinção de há muito foi formulada, entre nós, por Rui Barbosa, na famosa Oração aos Moços.
Eis os termos da justificativa: “O dispositivo autorizaria a previsão de cláusula de compromisso em contrato individual de trabalho. Para tal, realizaria, ainda, restrições de sua eficácia nas relações envolvendo determinados empregados, a depender de sua ocupação. Dessa forma, acabaria por realizar uma distinção indesejada entre empregados, além de recorrer a termo não definido tecnicamente na legislação trabalhista. Com isso, colocaria em risco a generalidade de trabalhadores que poderiam se ver submetidos ao processo arbitral”.
Não, não e não!
Assim como o parágrafo 3º, a redação do parágrafo 4º é claríssima: em relação aos apontados empregados qualificados pelos cargos especificados, “poderá ser pactuada cláusula compromissória, que só terá eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar expressamente com a sua instituição”.
Como é possível entrever “perigo” para a generalidade dos trabalhadores “que poderiam se ver submetidos ao processo arbitral”?!?
Ademais, o próprio Tribunal Superior do Trabalho reserva tratamento diferenciado aos trabalhadores executivos, diretores e administradores, que exercem altos cargos nas empresas, até mesmo nos termos da Súmula 269: “O empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o respectivo contrato de trabalho suspenso, não se computando o tempo de serviço deste período, salvo se permanecer a subordinação jurídica inerente à relação de emprego”.
Ora, como é fácil observar, todas as razões declinadas para fundamentar os aludidos vetos afastam-se, sem exceção, da literalidade dos dispositivos legais, ao mesmo tempo em que ostentam lamentavelmente uma visão distorcida da realidade.
Em suma: os vetos conspiram contra o futuro promissor da arbitragem! Como diz um velho, simples e sábio provérbio: “é muito mais fácil destruir do que fazer”!
Só nos resta torcer para que o bom senso prevaleça, na oportuna votação a ser realizada, a teor do disposto no artigo 66, parágrafo 4º, da Constituição Federal, pelo Congresso Nacional, com a expectativa da integral rejeição dos referidos vetos.
Por José Rogério Cruz e Tucci, advogado, diretor e professor titular da Faculdade de Direito da USP e ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 2 de junho de 2015, 10h34

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